Doce Infância

Era uma tarde quente de Segunda Feira, e juntamente com o grupo das aulas de dança, estacionamos em um deposito de doces, a procura de caixas de papelão (isso mesmo, caixas de papelão). Mas, ao adentrar o estabelecimento, o brilhar dos olhos foi inevitável. Todo mundo dentro de uma gigantesca loja de doces volta a ser criança, e conosco não foi diferente, até pelo fato de já não sermos muito adultos em qualquer lugar do mundo. Fato é que, conseguimos um numero considerável de caixas, e ainda pudemos desfrutar com olhares famintos a infinidade de guloseimas adocicadas do local. Em um lugar como aquele, foi novamente inevitável uma lembrança muito agradável de minha não muito distante, mas intensa infância, em que eu e meus pais freqüentávamos depósitos clandestinos de doces no centro de São Paulo.

Doces das mais diversas nomenclaturas e colorações me cercavam, e eu sabia que naquela circunstancia, eu seria recompensado por tudo de bom que eu tinha feito em minha vida até então. De todas aquelas toneladas de açúcar concentrado das prateleiras, existia um balde que continha o verdadeiro néctar dos deuses do manto sagrado de Javé: Minhóquinhas de gelatina, ou no meu vocabulário infantil e pitoresco, “geléinha”. Aquilo era vendido por quilo, e eu acabava me tornando insustentável por toda aquela maravilha que derretia na boca. Os formatos não se limitavam a apenas minhóquinhas. Diversos formatos modulavam a gostosura do doce e ainda fazia parte do entretenimento de quem se alimentava. A mescla do sabor azedo com doce tornava aqueles instantes maravilhosos. E, quando adentrei aquele gigantesco depósito de doces, a procura pelas “geléinhas” foi intensa. Enfim, achei um pacote com exatas 90 gramas de “geléinhas”, pela bagatela de três reais. ONDE JÁ SE VIU ISSO?! Com três reais eu era a criança mais feliz do mundo, mergulhando em um mar de “geléinha”, e hoje eu compro um pacote com cinco geléias mordidas dentro de um plástico completamente ilusório. Apesar da tremenda revolta em cima do imposto monetário da inflação da Associação Comercial de Doces do Brasil (ACDB), eu adquiri aquele pacote fajuto, mas com conteúdo mágico. Levei a sacola para o carro, e ao abrir a embalagem, o aroma adocicado e angelical se espalhou , tornando o mundo um lugar mais bonito e feliz.

Cada “geléinha” vinha no formato da cabeça de Woody ou Buzz, personagens do filme Toy Story (que por sinal, também fizeram muita parte da minha infância, mas falo disso depois), mas eu estava pouco ligando para o formato delas, só queria colocá-las na boca o mais rápido possível.
Ofereci para Flavia, a motorista do veículo e nossa professora de dança, que negou e já emendou o assunto em sua estranha e caótica fissura por chocolate hidrogenado. Naquela época, eu só comia aquilo porque vinham em embalagens de bolas de futebol ou guarda chuva, mas sempre achei um incrível gosto que mesclava sabão com manteiga de cacau e remédio de anemia. Mas ela adorava e até cogitou comprar um pacote com 50 unidades desses “guarda chuvinhas”.
Ainda na minha trajetória, ofereci as “geléinhas” a Thayane, que estava sentada no banco de traz. Ela aceitou, mas ao receber a cabeça de Buzz em suas mãos preferiu trocar, justificando essa ação com o comentário de que “o Buzz é muito feio”. Mesmo com essa declaração, efetuei a troca, já colocando o doce negado pela moça em minha boca. Olhando para frente, já quase esgotando o saquinho laminado de doces, voltei a oferecer a Thayane, que ainda estava mastigando aquele primeiro Woody que ela pegou. Ninguém tinha mesma voracidade que eu para comer aquilo tudo. Fazia muitos anos!
Sei que ao final do pacote, eu só tive uma certeza: Preciso de mais um pacote desses...